SUS cobrou por parto em homem e operação de próstata em mulher
O programa Fantástico exibido no último domingo (8) mostrou como hospitais em todo Brasil estão “operando milagres” na hora de cobrar do Sistema Único de Saúde (SUS) por internações e atendimentos médicos. Os repórteres Paulo Renato Soares e Mohamed Saigg tiveram acesso com exclusividade a mais de 20 mil fichas hospitalares suspeitas de fraudes e erros grosseiros.
Na Bahia, o homem que deu à luz! Em Rio Bonito, o irmão de Ana morreu duas vezes! Em Maricá, a mulher que tirou a próstata. E em São Paulo, foi encontrado um rapaz que já morreu. Acredite: esses casos são a prova de que hospitais em todo o Brasil operam milagres na hora de cobrar por atendimentos pelo SUS.
Fraudes que tiram milhões de reais da saúde brasileira. E erros que revelam a fragilidade de um sistema criado justamente para melhorar o controle sobre as internações.
Parto em homem
Ednilton mora em uma casa, na periferia de Salvador. É casado e tem três filhos. Ele procurou o hospital geral Roberto Santos, em 2011, para fazer uma pequena cirurgia. A instituição apresentou a fatura e recebeu do SUS pelo serviço.
Mas o que ninguém sabia é que o hospital apresentou uma outra conta sobre a passagem do paciente naquela época. A fatura tem um período de internação maior, valores mais altos. E um procedimento no mínimo surpreendente para um homem. Segundo o registro, Ednilton passou por uma cesariana, teria feito um parto. E o SUS pagou por isso.
O documento usado pelas instituições de saúde – públicas ou particulares – para cobrar os gastos com um paciente internado pelo SUS é a AIH – Autorização de Internação Hospitalar.
Se um paciente precisa ser internado, uma AIH é aberta em seu nome. Ali devem constar dados pessoais e todos os procedimentos médicos pelos quais passou. Assim que a pessoa recebe alta, a AIH é encaminhada para o SUS.
O Sistema Único de Saúde libera o pagamento composto por verbas federais, estaduais e municipais para os hospitais. A AIH do parto de Ednilton mostra que ele teria ficado seis dias internado. Custo: mais de R$ 1 mil reais.
No ano passado, o SUS gastou mais de R$ 11 bilhões com o pagamento de autorizações de internações hospitalares. Mas, segundo auditores do Datasus – o banco de dados do SUS , há irregularidades em, no mínimo, 30% das AIHs.
O Fantástico teve acesso a informações de mais de 20 mil autorizações de internações hospitalares com suspeita de fraudes, feitas de 2008 até agora. E percorreu o Brasil para saber se as histórias no papel eram as mesmas contadas pelos pacientes.
Morto duas vezes
Em Rio Bonito, no interior do estado do Rio, a morte do aposentado Sinésio da Costa Pereira, há quase cinco anos, foi muito difícil para a família. Ele ficou internado por quase três semanas com várias complicações. Foi sepultado em 21 de dezembro de 2008.
Sinésio morreu na clínica Santa Helena, em Cabo Frio, também no estado do Rio. Mas, pelos registros do hospital, a história dele não termina aí. Ele teria voltado à clínica em março de 2009, pelo que consta numa segunda AIH aberta em nome dele. E depois de 21 dias de internação teria morrido pela segunda vez.
A clínica usou os dados de Sinésio para cobrar outra vez do SUS. Mas, repare que, em vez de repetir os valores da AIH verdadeira R$ 4,2 mil, a instituição pediu mais de R$ 11 mil.
Mulher com próstata
As fraudes nas AIHs permitem outros absurdos, como uma mulher que passou por uma operação da próstata, um órgão masculino.
Crenilda foi até à casa de saúde Santa Maria, em São Gonçalo, na Baixada Fluminense, para operar a vesícula. Passou dois dias no hospital. A instituição criou uma segunda AIH com os dados da paciente. Mudou apenas o sexo no registro. E cobrou do SUS o procedimento que só pode ser feito em homens.
Não é só a possibilidade de desvio de recursos. A falta de um controle rigoroso sobre o sistema de pagamento de AIHS também permite erros e falhas de informações.
Explicações
A equipe do ‘Fantástico’ foi até os hospitais e as clínicas que atenderam as pessoas mostradas na reportagem.
Na clínica Santa Helena, em Cabo Frio, que recebeu por duas mortes de Sinésio, a direção não quis gravar entrevista. Mas reconheceu que a cobrança dupla aconteceu.
Uma auditoria realizada em setembro de 2012 pela Secretaria Estadual de Saúde e pelo SUS apontou o problema. E, em janeiro deste ano quase quatro anos depois da AIH ter sido paga, a clínica foi condenada a devolver o dinheiro.
O Fantástico foi até a casa de saúde e maternidade Santa Maria em São Gonçalo, que cobrou por uma operação de próstata em Crenilda. Mas a instituição não está mais funcionando no local. Os responsáveis pela clínica não foram encontrados pela reportagem.
Em São Paulo, o hospital municipal Vereador José Storopolli, que declarou que Julio Cesar estava morto, admitiu o erro. Uma investigação foi aberta.
Em Salvador, o hospital geral Roberto Santos, que cobrou pelo parto em Ednilton, questionou inicialmente os dados apresentados pelo Fantástico. Porém, as informações oficiais do SUS comprovam que a AIH do parto tem os dados de Ednilton.
Mas o sexo do paciente foi preenchido pelo hospital como feminino. Depois da entrevista, a secretaria estadual de saúde, responsável pelo hospital, admitiu o erro e afirmou que irá apurar o caso.
O Ministério da Saúde confirmou que todas as autorizações de internações hospitalares mostradas pela reportagem contêm irregularidades.
Para pessoas que tiveram os próprios nomes ou o de parentes usados nas fraudes, o sentimento que fica é o da indignação.
O Diário Oficial da União vai publicar nesta segunda-feira (9) mudanças no sistema de pagamento das AIHS, as autorizações de internações hospitalares. O objetivo é aumentar a segurança e evitar fraudes.
A alteração será realizada aos poucos e, a partir de fevereiro de 2014 todos os hospitais do Brasil deverão usar o novo sistema.
Fonte: Fantastico
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