Pernambués: o bairro mais negro da cidade
Conheça as peculiaridades do bairro que é perto de tudo em Salvador
Raul Castro e Vitor Gabriel
Era uma tarde de quarta-feira com sol forte do mês de novembro e Pernambués estava com intenso movimento como de costume. Caminhar por este bairro tão extenso não é tarefa fácil. Muitas pessoas andam pelo meio da rua, crianças voltam da escola, e o comércio – mercadinhos, casa lotérica, farmácias, lojas de roupas, lanchonetes e uma série de outras lojinhas de serviços – flui como um grande shopping a céu aberto.
Pernambués é o bairro mais negro de Salvador, com 53.580 negros autodeclarados. Brotas (49.804) e Paripe (46.505) aparecem na sequência. Já a Liberdade ficou em 11° lugar, com 35.704, segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com a CONDER (Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia) e SEDHAM (Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano Habitação e Meio Ambiente).
Apesar de o estudo não ser oficial, pois não existe na legislação vigente uma Lei de Delimitação dos Bairros de Salvador, a origem do lugar confirma a prevalência negra. Segundo Francisco Cruz do Nascimento, educador e morador do bairro, Pernambués faz parte de um quilombo urbano que abrangia, inclusive, as áreas que hoje fazem parte do bairro do Cabula. “O lugar abrigava várias fazendas, dentre essas havia a Santa Clara, uma fazenda de laranjas que, em 1956, deu origem ao bairro de Pernambués. Hoje, o lugar é um quilombo urbano. Não é reconhecido por decreto, mas se auto reconhece pelo modo de viver, na maneira de ser e na historia das pessoas mais velhas da comunidade”, conta Nascimento, que é também pesquisador na área de Quilombos.
Em meio século, a expansão do bairro requisitou muita luta. Quem conta é Dona Luíza Cruz, 81 anos. Ela nasceu em 1932, quando a localidade ainda era somente uma roça sem água encanada, luz e telefone; de lá pra cá, viu nascer doze filhos, nove netos e quatro bisnetos e nunca morou em outro bairro.“Nos reunimos e começamos a brigar pelos nossos direitos, pelo chafariz, pela água, posto de médico que não tinha na comunidade. Meu esposo e outro amigo chegaram a ir nas garagens das empresas de ônibus pedindo transporte para Pernambués. A gente andava daqui até o Cabula para tomar um bonde”, relembra. Dona de uma memória invejável, Dona Luiza mantém viva uma das maiores tradições do bairro e uma paixão de família: o Terno de Reis Rosa Menina, um dos mais antigos de Salvador. Fundado pelo marido, Silvano Francisco do Nascimento, em 1945, no bairro de Brotas, o Terno sobrevive desde 1958 em Pernambués. A existência do Rosa Menina está relacionada à Folia de Reis, festejo de origem portuguesa ligado às comemorações do culto católico do Natal. Trazido pelos Jesuítas, foi um instrumento na catequização dos índios e, posteriormente, dos negros escravos.
PERTO DE TUDO
Pernambués começou a se expandir no começo dos anos 1980, principalmente com a construção do Shopping Iguatemi e da Estação Rodoviária. Hoje, com uma localização bastante estratégica e próxima a três grandes shoppings – Iguatemi, Salvador e Bela Vista –, o bairro tem fácil acesso as avenidas Paralela, Luis Eduardo Magalhães e Tancredo Neves, à Rótula do Abacaxi, à BR-324, ao Cabula e à comunidade de Saramandaia.
A Rua Thomaz Gonzaga corta todo o bairro. Nela pontos comerciais e casas residenciais se misturam. Próximo ao final de linha, o comércio continua inabalável. Da Praça Arthur Lago em diante, sentido final de linha, o bairro vai se popularizando com invasões e baixadas, como Baixa do Manu, Cruzeiro e Baixa do Tubo. No meio das ruas sem passeio, há um trânsito intenso com pontos de engarrafamento. No final de linha apertado, o estacionamento de ônibus das 16 linhas que servem o bairro frequentemente travam a circulação de veículos.
A Rua Conde Pereira Carneiro – antiga Chácara Perseverança – é um local bastante arborizado: jaqueiras, mangueiras e amendoeiras compõe a paisagem. Lá também estão localizadas duas grandes rádios comercias da cidade em sintonia FM e a 1° Companhia Independente da Policia Militar. Do lado oposto, a Rua Professor Souza Carneiro empresta tranquilidade ao bairro. Casas grandes, de dois e três andares, com sacadas e fachadas bem cuidadas, mantém um silêncio que poucos lugares conseguem ter em uma grande cidade. Carros quase não circulam pela rua, assim como pessoas.
Ao lado da Conde Pereira Carneiro, na Praça Arthur Lago, a principal do bairro, a distração de moto-taxistas, aposentados e pequenos comerciantes é o jogo de baralho à sombra de uma amendoeira. Seu Waldemar Souza, 77, apenas acompanha o jogo. O aposentado mora em Pernambués há 41 anos e diz gosta do bairro por causa da tranquilidade da praça, onde passa as tardes. A praça também abriga inúmeros vendedores ambulantes que comercializam camisas de time de futebol, caldo de cana, pastel frito, CDs e DVDs, água de coco, frutas, além de churrasquinho e cerveja.
Pernambués acolhe vários centros comunitários, como a Associação Beneficente 10 de Julho, o Grupo Alerta Pernambués e o Centro Social Urbano, que agrega posto de saúde, creche, pré-escola, conselho tutelar, balcão de justiça e também oferece aulas de karatê, capoeira, ioga, krav magá e possui quatro escolinhas de futebol.
Na Associação Comunitária 1º de Maio, Antonio Carlos Cerqueira, ou Carlinhos de Basílio, se diverte com a partida de baralho. Há 52 anos em Pernambués, ele mudou de bairro algumas vezes, mas confessa que voltou definitivamente para Pernambués. “As antigas amizades fazem com que a gente sempre esteja aqui”. Durante uma cartada, ele brinca: “o cara mais popular do bairro sou eu”.
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